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A força da comunidade terapêutica evangélica

Nos dias de hoje, quem se dispõe a ajudar gente já abandonada por quase todo mundo, caída no inferno das drogas?

Na região da Cracolândia em São Paulo, há cristãos enfrentando esse desafio todos os dias.

O projeto da igreja Evangélica Batista, que ganhou o nome de Cristolandia, foi idealizado há nove anos pelo pastor Humberto Machado, 59 anos, que também já foi dependente químico. Machado foi usuário de drogas dos doze aos 27 anos. Ele conta que na época foi preso dezesseis vezes por tráfico de drogas, até que se converteu.

“Trabalho com dependência química há 31 anos. Durante todos esses anos, eu vi de tudo; comunidade terapêutica, clínicas, Caps (Centro de Atenção Psicossocial), por tudo isso eu passei, inclusive eu fui diretor de um CapsAD. Eu me formei em psicanálise para justamente compreender essa questão das drogas na vida do ser humano”, conta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Cristolandia iniciou no ano de 2008 com voluntários, muitos deles ex-dependentes químicos, cortando o cabelo de usuários nas ruas com o objetivo de criar uma relação com todos eles. O projeto já alcança sete estados brasileiros e em São Paulo possui sete unidades. Machado conta que o trabalho é feito com a visão no "Poder" - programa, oração, desintoxicação, evangelização e ressocialização.

A unidade que fica bem próxima à Cracolândia abre suas portas todos os dias para receber em média duzentos dependentes químicos. A assistência inicia às 9h da manhã e, no local, refeições são oferecidas durante todo o dia, assim como higiene e estudo bíblico para quem se interessar. De acordo com o pastor, esse apoio é dado sem nenhuma cobrança. 

 

 

 

No estado de São Paulo, o projeto possui unidades de tratamento nas cidades de Nazaré, Piratininga, Santana - onde é destinado às mulheres -, Guarulhos, Santos, Osasco e Presidente Prudente. O processo de tratamento e internação, segundo Machado, funciona em três fases. A unidade de triagem, que fica próxima à Cracolândia, funciona como recolhimento por vontade do próprio usuário. Assim que ele opta pelo tratamento, é encaminhado para a “fase um” que acontece em um sítio, localizado em Nazaré Paulista, onde permanece de três a seis meses. 

A "fase dois", na qual o dependente também fica internado, é realizada nas cidades de Guarulhos ou Piratininga. Em seguida, o paciente retorna à unidade de triagem para completar e finalizar o seu tratamento.

 

Nessa terceira e última fase, que é chamada de "Missão", o ex usuário participa do curso para se tornar um "Radical", ou seja, um missionário da Igreja Batista.

Noventa porcento de todo o apoio a esses dependentes químicos são possibilitados por doações de igrejas e os outros 10%, pela população que quer ajudar. 

De acordo com o pastor, 50% dos que trabalham na Cristolandia atualmente já foram usuários de droga e hoje são missionários e moram no local.

Thiago Nogueira, de 34 anos, é uma dessas pessoas. 

É com essa letra de rap que Thiago, ex-dependente químico começa contando a sua história de superação do mundo das drogas.

Ele teve uma infância muito triste e complicada. Aos doze anos, perdeu a mãe, vítima do vírus HIV. Nunca conheceu o pai. Aos quinze, perdeu o irmão também pelo vírus HIV. Um ano depois, o tio faleceu de frio na rua.

 

Aos vinte anos, recém completos, perdeu a avó que estava com câncer, sobrando apenas ele e uma irmã mais nova para cuidar.

“Nessa época eu acabei indo trabalhar com outro tio que era dono de uma fábrica de metaL. A minha situação financeira era muito boa. Eu consegui tirar a minha carta e ingressar em uma faculdade. Eu cursava matemática”, relata. 

Mesmo possuindo uma estrutura financeira estável, Thiago se tornou uma pessoa sozinha. Sempre muito tímido, sem amigos e relacionamentos, acabou desenvolvendo depressão. Foi quando as drogas entraram na sua vida. Começou a beber para se sentir melhor, conseguir fazer amizades e ficar com mulheres. Depois do álcool, o pulo para a cocaína foi muito rápido.

“Quando eu conheci a cocaína, não parei mais. Ela me ajudou com a timidez e principalmente com as mulheres. Foi a coca que me deu coragem de chegar em uma mulher. E depois disso foi uma atrás da outra. Aquilo fazia com que eu me achasse o cara”, conta. 

No início, Thiago só fazia uso da cocaína em baladas e festas noturnas, mas não demorou muito para que o uso se tornasse diário. Depois começou a fumar o mesclado e, aos 22 anos, já usava crack puro.

Só seis anos depois, o tio de Thiago descobriu o seu envolvimento com a droga. Na época, Thiago conta que eles conversaram, ele pediu ajuda, mas o tio resolveu dar um carro para ele no dia seguinte.

 

“Ele achava que me dando bens materiais eu iria largar o crack. Mas isso não funcionou, porque o carro só me ajudou a ter mais dinheiro e a conseguir mais droga”.

Thiago foi expulso da empresa e de casa e acabou abandonado pelo tio. Isso fez com que ele se entregasse ainda mais para as drogas. Tornou-se pichador e saía por aí vandalizando** prédios e casas, até que um dia caiu de uma janela no momento em que estava pichando. Onde aconteceu?

“Essa época foi a pior fase da minha vida. Eu estava sem emprego, sem meu tio, nóia e de muleta. Eu fiquei assim por uns dois anos”, conta.

Thiago só foi perceber e entender que estava precisando de ajuda quando sonhou com a sua vó. Ele estava há três dias trancado em um hotel barato fumando crack direto. No sonho, Thiago conta que a avó pediu para o neto ir buscar um refrigerante. E ele foi. Quando ele foi pagar a bebida, o comerciante disse que não precisava e que ele era um menino bom.

 

“Acordei chorando aos prantos. Olhei-me no espelho e me desesperei com o que eu havia me tornado. Um homem magro, com os dedos todos queimados e uma aparência de doente. A minha vó não tinha me criado para eu acabar assim na vida”, concluiu, chorando.

Foi naquele momento que ele entendeu que estava precisando de ajuda. Ele conheceu a Cristolandia através de uma reportagem do SPTV e, no dia 8 de maio de 2012, foi acolhido pelo pastor Humberto Machado.

Hoje, depois de dez anos usando drogas e há cinco anos "limpo", ajuda outros usuários de drogas. Além disso, ele entrou para a faculdade de Direito e é compositor e cantor de rap. Já gravou um CD e encanta as pessoas com a sua música.

Depois disso, Thiago passou pelas fases do tratamento, teve uma recaída de três dias, porém conseguiu retomar a internação e se tornou um missionário da Igreja Batista.

RELIGIÕES NA CRACOLÂNDIA

Pastor Humberto - Relato Cristolandia
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Rap Cristolandia - Thiago Nogueira
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